O Silêncio da Feira
Na feira do Guamá, onde o vai e vem se mistura com cheiro de fruta madura e vozes apressadas, tinha uma banca que era de um caboco quieto, de fala mansa. Ele vendia banana todo dia, ali no cantinho, calado no canto dele, com aquele jeito simples de quem veio da beira da roça.
Era um homem de mãos calejadas, com cara de quem já tinha visto muita coisa. Chegava cedo, ajeitava os cachos de banana com todo cuidado, e dava aquele “bom dia” arrastado, tipo sussurro. Eu via ele todo dia, parecia parte da feira, como a lona, como o sol batendo nos caixotes.
Mas num foi sempre assim.
No dia 16 de julho de 2012, o mundo dele virou do avesso. O filho dele — rapaz estudado, aluno da UFPA – Universidade Federal do Pará, cheio de esperança na cabeça — morreu num acidente de ônibus. Égua, moço... pensa numa tristeza grande. Quando soube, ele ficou branco. Parado. Era como se o coração dele tivesse parado também.
Desde esse dia, nunca mais voltou pra feira.
Diz o povo que ele tentou uma vez, mas num deu. A banca virou só lembrança, cheio de silêncio pesado. Cada banana ali lembrava o menino, cada freguês perguntando dele era mais uma fisgada no peito. Disse que chorava calado, que ficava olhando pro vazio como quem vê o passado andando por entre as barracas.
Hoje, quando passo por lá, aquele canto ainda tá vazio. Ninguém quis mais pegar aquela banca. Parece mal-assombrada, não de visagem, mas de tristeza mesmo. Silêncio que pesa. Um luto que ficou grudado no chão.
Às vezes penso que ele ainda anda por aí, cabisbaixo, escondido no meio do povo, carregando aquela dor sem fim. Dizem que virou sombra de si mesmo. Era só o caco.
A feira segue seu barulho. As balanças, as vozes, os gritos de “olha a fruta boa!”. Mas naquele pedaço, o tempo anda devagar. Como se respeitasse a dor daquele pai. Como se esperasse ele voltar um dia, só pra se despedir direito.
Tem tristeza que não passa, só se acostuma. Tem silêncio que grita mais que qualquer fala. E tem ausência que fica pra sempre, como sombra em manhã de sol.