A agricultura familiar é a base da segurança alimentar do Brasil. Dados oficiais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), especialmente do Censo Agropecuário 2017, mostram que mais de 77% dos estabelecimentos rurais do país são familiares, e que eles são responsáveis pela produção de cerca de 70% dos alimentos que chegam às mesas dos brasileiros. Ainda assim, a forma como os governos brasileiros trataram esse setor ao longo da história foi desigual, marcada por avanços significativos em determinados períodos e abandono em outros.
Esta reportagem busca apresentar um panorama inédito e completo sobre quais presidentes mais investiram na agricultura familiar e qual o espectro político de cada um. Para isso, foram considerados dados públicos de programas federais, relatórios do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), orçamentos da União e registros do Portal da Transparência, além de fontes como IBGE, CONTAG, INCRA e publicações da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura).
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), figura no topo da lista como o governante que mais investiu e estruturou políticas públicas voltadas para os pequenos produtores. Durante seus dois primeiros mandatos (2003 a 2010), Lula colocou a agricultura familiar como pilar estratégico no combate à fome, no desenvolvimento territorial e na geração de renda. Criou e fortaleceu programas estruturantes, como o PRONAF (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), que apesar de ter sido lançado em 1996, só ganhou escala em sua gestão, com aumento de orçamento, novas linhas de crédito (para jovens, mulheres e agroecologia) e forte articulação institucional.
Outro marco do período foi a criação do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), que permitiu a gestão direta de políticas públicas para o campo familiar. Programas como o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos) e o PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar) passaram a comprar diretamente da agricultura familiar, com prioridade para assentados da reforma agrária, comunidades quilombolas, indígenas e agricultores agroecológicos. Com isso, milhares de produtores passaram a ter renda e escoamento garantido de seus produtos.
Em seu terceiro mandato, iniciado em 2023, Lula retomou e ampliou essas políticas. O governo lançou o maior Plano Safra da Agricultura Familiar da história, com R$ 71,6 bilhões em crédito, e recriou o MDA, que havia sido extinto no governo Temer. Em 2024, Lula anunciou ainda novas linhas de crédito para mulheres e jovens rurais, além de investimentos em assistência técnica, regularização fundiária e infraestrutura rural.
A presidenta Dilma Rousseff (2011–2016), também do PT, deu continuidade à política de valorização da agricultura familiar. Durante sua gestão, os Planos Safra da Agricultura Familiar passaram a ser anunciados anualmente com destaque. A criação do SEAF (Seguro da Agricultura Familiar) e a ampliação do programa Minha Casa Minha Vida Rural foram destaques. Dilma também buscou fortalecer os canais de comercialização por meio de feiras, mercados institucionais e cooperativas. No entanto, enfrentou dificuldades econômicas e políticas no segundo mandato, o que impactou parte dos investimentos.
Antes disso, o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995–2002), do PSDB, de orientação centro-liberal, teve papel importante no surgimento de políticas específicas para a agricultura familiar, mesmo que com viés tecnocrático e baixa prioridade. Foi na sua gestão que surgiu o PRONAF, por pressão dos movimentos sociais e sindicatos rurais. Contudo, o programa teve pouco orçamento e alcance limitado. O foco da política agrícola no governo FHC estava voltado para a modernização e o agronegócio, especialmente no setor exportador. A criação do programa foi um avanço, mas sua execução prática e abrangência ainda eram insuficientes.
Na transição democrática, José Sarney (1985–1990), do antigo PMDB, governou com um discurso favorável à reforma agrária e à democratização da terra. Seu governo criou o Ministério da Reforma Agrária, mas a ação prática foi tímida e a agricultura familiar continuou à margem das principais decisões. O governo Sarney pode ser classificado como de centro, com apoio a diversas correntes ideológicas, mas pouca efetividade na implementação de políticas estruturantes para o campo.
Durante o governo de Michel Temer (2016–2018), de perfil claramente liberal-conservador, o cenário mudou drasticamente. O MDA foi extinto e incorporado ao Ministério da Agricultura, o que simbolizou o rebaixamento da agricultura familiar no organograma federal. O orçamento do PRONAF foi reduzido, e programas como PAA e PNAE sofreram cortes severos. A agenda rural passou a ser dominada por pautas da bancada ruralista, voltadas ao agronegócio empresarial.
O governo de Jair Bolsonaro (2019–2022), identificado com a extrema-direita, foi marcado por retrocessos profundos nas políticas voltadas aos pequenos produtores. O MDA continuou extinto, o PRONAF teve queda histórica nos financiamentos, e os recursos para o PAA chegaram a níveis mínimos. A assistência técnica foi enfraquecida, o apoio à reforma agrária praticamente paralisado, e não houve diálogo com movimentos rurais. O foco absoluto da política agrícola foi o agronegócio exportador, com ênfase em grandes empreendimentos, commodities e desregulamentação ambiental.
Já os presidentes do regime militar (1964–1985), como Castelo Branco, Médici, Geisel e Figueiredo, de ideologia autoritarista e conservadora, ignoraram completamente a agricultura familiar. Investiram em grandes projetos agroindustriais, na chamada “Revolução Verde”, e concentraram terras nas mãos de poucos. A repressão a movimentos camponeses foi intensa, e não havia políticas públicas destinadas aos pequenos produtores. Pelo contrário: muitos foram expulsos de suas terras para dar lugar a grandes projetos estatais e privados.
Em resumo, a análise histórica mostra que os governos de esquerda, em especial os de Lula e Dilma, foram os únicos que estruturaram uma política de Estado contínua e eficaz para a agricultura familiar. Já os governos de direita e extrema-direita privilegiaram os grandes produtores e enfraqueceram ou descontinuaram programas voltados aos agricultores familiares.
Essa distinção não é apenas ideológica, mas prática: está registrada nos orçamentos públicos, nos relatórios do Banco do Brasil, da Conab, do Ministério do Desenvolvimento Agrário e da própria Controladoria-Geral da União. A política pública para o campo, portanto, depende diretamente da vontade política de quem governa.
Num país onde a agricultura familiar é tão essencial para a alimentação, o emprego rural, a economia local e a preservação ambiental, saber quem investe — e quem abandona — esse setor é uma forma de fazer memória, cobrar compromissos e valorizar quem alimenta o Brasil de verdade.