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Paciente encontra pinça cirúrgica esquecida no abdômen após atendimento na UPA |
O paciente relatou que havia sido submetido a uma laparotomia em decorrência de um ferimento por arma branca. Ao buscar atendimento na UPA, ele foi avaliado por uma equipe médica que, após a realização de um exame de imagem (raio-x), constatou a presença do instrumento cirúrgico esquecido em seu abdômen. A Pinça Kelly, utilizada para a hemostasia e manipulação de tecidos durante intervenções cirúrgicas, representa um sério risco à saúde do paciente.
Este episódio configura um esquecimento médico, um tipo específico de erro médico que pode gerar tanto responsabilidade civil quanto criminal. A análise jurídica do caso envolve diversos dispositivos legais que regulamentam a atuação médica e os direitos do paciente.
A responsabilidade civil dos médicos e das instituições de saúde está prevista nos artigos 186 e 927 do Código Civil. O artigo 186 estabelece que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, comete ato ilícito”. O artigo 927, por sua vez, determina que o agente é responsável por reparação de danos, salvo a prova de culpa exclusiva da vítima. Assim, a negligência da equipe médica em não retirar o instrumento cirúrgico caracteriza um ato ilícito que pode ensejar indenização.
A relação entre o paciente e o prestador de serviços de saúde é tipicamente uma relação de consumo, sendo, portanto, regida pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), especialmente pelo artigo 14, que trata da responsabilidade objetiva do fornecedor de serviços por danos causados ao consumidor. A negligência em garantir a segurança do paciente, ao deixar um objeto dentro de seu corpo, configura um vício na prestação do serviço.
O paciente pode pleitear indenização por danos morais e materiais. O conceito de danos morais abrange o sofrimento psicológico e a angústia vivenciada pelo paciente em decorrência do erro médico, conforme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que reconhece a reparação por dor e sofrimento quando há evidente violação à dignidade da pessoa. Além disso, os danos materiais podem incluir todos os custos relacionados à nova cirurgia necessária para a remoção da pinça, bem como eventuais perdas salariais decorrentes da incapacidade temporária.
Dependendo da avaliação pericial e da gravidade das consequências para o paciente, o caso poderá também ser tratado na esfera criminal. O artigo 129 do Código Penal prevê que a lesão corporal, quando causada por negligência ou imprudência, pode resultar em sanções, inclusive detenção. Se o erro médico for considerado grave, pode configurar até mesmo tentativa de homicídio culposo, uma vez que a vida do paciente foi colocada em risco.
A Lei nº 8.080/1990 (Lei Orgânica da Saúde) garante o direito à saúde como um direito fundamental do cidadão. O artigo 2º dessa lei estabelece que a saúde deve ser promovida, protegida e recuperada, sendo dever do Estado assegurar um atendimento digno e seguro aos cidadãos. A falha em atender a esse dever, como demonstrado no presente caso, enseja a responsabilização do hospital e dos profissionais envolvidos.
Diante do esquecimento médico constatado, o paciente deve seguir uma série de passos para garantir seus direitos e buscar a reparação dos danos sofridos:
1. Buscar atendimento médico imediato: O primeiro passo é realizar a remoção da pinça esquecida o mais rápido possível. Isso deve ser feito por meio de um novo procedimento cirúrgico, que pode ser agendado com o mesmo hospital ou por meio de uma nova unidade de saúde. É fundamental que o paciente informe aos médicos sobre o ocorrido e os sintomas que está sentindo.
2. Registrar a ocorrência: Formalizar a denúncia junto às autoridades competentes, como a Vigilância Sanitária e o Conselho Regional de Medicina (CRM). Isso é importante para que sejam instauradas as devidas investigações sobre o incidente.
3. Reunir documentação: Coletar todos os documentos médicos, laudos e exames que comprovem o erro, bem como registros de atendimentos anteriores. Isso inclui a solicitação de cópias do prontuário médico e de todos os exames realizados, que servirão como provas no eventual processo judicial.
4. Buscar assistência jurídica: Procurar a Defensoria Pública ou um advogado especializado em Direito Médico para ajuizar uma ação civil por danos materiais e morais. O profissional de direito poderá orientar sobre as melhores estratégias para a recuperação dos danos.
5. Avaliação pericial: A instrução do processo deverá contar com a realização de perícia técnica para comprovar o nexo causal entre o erro médico e os danos experimentados pelo paciente. Essa avaliação pode ser crucial para sustentar a demanda judicial.
6. Acompanhar o processo: Manter um acompanhamento regular da situação, tanto em relação ao tratamento de saúde quanto ao andamento do processo judicial. É importante que o paciente esteja ciente de todas as etapas e decisões que possam afetá-lo.
Diversas decisões judiciais reforçam a gravidade do esquecimento médico relacionado ao esquecimento de material cirúrgico:
1. STJ - REsp 1.545.972/SP: O STJ decidiu que o esquecimento de material cirúrgico no corpo do paciente configura erro médico, resultando em responsabilidade civil da instituição de saúde. O tribunal enfatizou que a negligência da equipe médica enseja a reparação por danos materiais e morais.
2. TJSP - Apelação nº 1007507-54.2018.8.26.0100: O Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu que o erro médico, configurado pelo esquecimento de uma pinça cirúrgica dentro do paciente, deve ser reparado. O tribunal ressaltou que o paciente sofreu danos materiais devido à necessidade de uma nova cirurgia para remoção do material, além de danos morais pelo sofrimento e angústia gerados.
3. TJRJ - Apelação Cível nº 0031501-23.2011.8.19.0000: O TJRJ decidiu que a retenção de material cirúrgico configura falha na prestação do serviço médico, resultando em responsabilidade civil do hospital. A corte determinou que o hospital deveria indenizar o paciente por danos morais e materiais.
4. TJMG - Apelação Cível nº 1.0024.11.191777-4/001: A decisão do TJMG reiterou que a ausência de cuidado na operação e a subsequente retenção de material cirúrgico dentro do paciente configuram ato ilícito, resultando em responsabilidade civil. O tribunal enfatizou a importância da reparação integral dos danos causados ao paciente.
5. TJBA - Apelação Cível nº 0040267-30.2010.8.05.0001: O TJBA decidiu que o esquecimento de uma pinça cirúrgica no abdômen de um paciente é considerado um erro médico que gera responsabilidade civil, obrigando a unidade hospitalar a indenizar o paciente pelos danos morais e materiais sofridos.
Erros médicos que envolvem a negligência na remoção de instrumentos cirúrgicos representam não apenas uma violação dos direitos do paciente, mas também um grave atentado à ética profissional. A legislação brasileira oferece um arcabouço legal robusto para a proteção dos pacientes e a responsabilização dos profissionais de saúde. O caso em questão evidencia a necessidade de uma reflexão sobre a importância de protocolos rigorosos de segurança em ambientes hospitalares, a fim de prevenir que incidentes como este se repitam.
(by Gilberlan Atrox, com informações do Portal Pebinha de Açúcar)