Megaoperação no Rio expõe colapso do Estado e o ciclo da violência institucionalizada
A ação policial mais letal desde 2021 reacende o debate sobre o uso da força, o esgotamento das políticas públicas e o enfraquecimento da autoridade estatal nas periferias.
![]() |
| Moradores levam 54 corpos para praça do Complexo da Penha. Rio — Foto: Gabriel de Paiva |
Megaoperação no Rio de Janeiro revela o colapso do Estado diante da escalada da violência. Uma análise sobre o uso da força, a perda de controle institucional e o impacto nas comunidades.
O Estado em colapso silencioso
A megaoperação policial realizada nesta terça-feira, 28, em diferentes comunidades do Rio de Janeiro, deixou um saldo de dezenas de mortos e reacendeu uma velha e dolorosa discussão: o Estado perdeu o controle sobre seus próprios territórios. O que antes se chamava de “ação de combate ao crime” transformou-se em demonstração de força de um poder que tenta reafirmar sua autoridade à custa de vidas — a maioria delas nas favelas, onde a ausência do Estado é substituída pela presença do medo.
A operação, classificada como a mais letal desde 2021, mobilizou centenas de agentes e blindados. Mas por trás do barulho das armas, o que se ouve é o eco de um Estado fragilizado, que já não consegue garantir segurança, justiça e políticas de inclusão. O resultado é a repetição de um modelo de enfrentamento que finge combater o problema, quando, na verdade, o perpetua.
Quando o Estado recorre à força, revela sua fraqueza
A violência institucional tornou-se a linguagem de um governo que perdeu a capacidade de dialogar com a sociedade. A repressão substitui a política pública; o confronto, o planejamento; e o medo, o direito. Esse ciclo se alimenta da desigualdade e da omissão: territórios abandonados pelo poder público tornam-se laboratórios de controle pela força, onde cada ação policial é uma tentativa desesperada de compensar anos de negligência social.
O uso da violência como ferramenta de gestão não representa autoridade — representa desespero. Um Estado forte não se mede pela potência de suas armas, mas pela capacidade de garantir dignidade, educação e oportunidades a quem vive à margem.
A política do abandono
Nas favelas e periferias, onde as operações mais violentas se concentram, o que falta não é policiamento, mas presença real do Estado: escolas bem estruturadas, serviços de saúde contínuos, emprego e lazer. Quando essas políticas falham, o território é tomado por outras formas de poder — o tráfico, a milícia, a desinformação.
Ao tentar recuperar o controle perdido por meio da força, o Estado apenas reafirma o que todos já sabem: que sua ausência é a principal causa do colapso que tenta conter.
A normalização da tragédia
A cada nova operação, a sociedade parece se acostumar ao horror. As imagens de corpos estendidos, de casas perfuradas por balas e de moradores aterrorizados tornam-se rotina. Essa naturalização é, talvez, o sintoma mais grave da crise: o momento em que a população aceita a violência como parte do cotidiano, e a morte como efeito colateral inevitável.
Mas nenhuma democracia sobrevive quando a vida de parte de seus cidadãos é tratada como descartável.
Um país à procura de si mesmo
A megaoperação no Rio não é um episódio isolado — é o retrato de um país que ainda não conseguiu construir um pacto verdadeiro entre Estado e sociedade. Enquanto a violência for a resposta à ausência de políticas públicas, e o medo o instrumento de controle social, o Estado continuará em colapso silencioso, tentando conter com armas o que só pode ser resolvido com dignidade e justiça.

Comentários
Postar um comentário