Senado dos EUA desafia Trump e aprova texto contra tarifas ao Brasil

Medida, que segue para a Câmara dos Deputados, expõe tensão entre instituições e revela disputa por hegemonia política e econômica

© Reuters/Carlos Barria


O Senado dos Estados Unidos aprovou, nesta terça-feira, uma proposta legislativa que busca revogar as tarifas impostas pelo ex-presidente Donald Trump sobre produtos brasileiros. A decisão representa um marco simbólico na atual conjuntura americana, ao confrontar a lógica protecionista e personalista herdada do governo anterior.

O texto ainda precisa ser analisado pela Câmara dos Deputados, onde a maioria republicana, alinhada ao trumpismo, deverá impor obstáculos significativos. O impasse, porém, vai além da economia: reflete uma crise de governança e um conflito institucional sobre os limites do poder executivo em matéria de política comercial e relações exteriores.


Instituições versus personalismo político

Do ponto de vista da Ciência Política, a votação no Senado pode ser interpretada como uma reafirmação da separação de poderes e do papel das instituições na contenção de lideranças populistas.
Durante o governo Trump, a política externa norte-americana foi marcada por decisões unilaterais e pelo uso de tarifas como instrumento de pressão política, tanto sobre rivais quanto sobre parceiros comerciais estratégicos, como o Brasil.

Com a nova medida, o Senado busca restaurar a racionalidade institucional e o equilíbrio entre poderes, princípios fundamentais para a estabilidade democrática. Trata-se, portanto, de um movimento de reconstrução da legitimidade estatal, em contraposição à lógica do decisionismo presidencial — conceito usado para descrever governos que concentram decisões em torno da figura do líder, reduzindo o papel dos órgãos legislativos e técnicos.


A dimensão geopolítica e o lugar do Brasil

O Brasil surge nesse debate não apenas como exportador de commodities, mas como ator relevante no sistema internacional. O reposicionamento americano em relação às tarifas sobre produtos brasileiros reflete a tentativa de preservar laços estratégicos com a América Latina diante da crescente influência econômica da China.

Essa disputa é interpretada por analistas como um realinhamento geopolítico. Em termos de política internacional, ela expressa a competição entre modelos de desenvolvimento e de governança global — um baseado no multilateralismo e outro na supremacia unilateral.

Ao aliviar tensões comerciais com o Brasil, o Senado dos EUA sinaliza a intenção de manter o país como aliado dentro da esfera de influência ocidental, impedindo o avanço de outras potências sobre o continente.


Governança e racionalidade eleitoral

A resistência republicana na Câmara dos Deputados tem forte componente eleitoral. O controle das tarifas e o discurso nacionalista continuam sendo instrumentos de mobilização política de base, usados para consolidar o eleitorado fiel a Donald Trump.

Essa dinâmica ilustra um fenômeno clássico da ciência política: o uso da política econômica como ferramenta de construção de legitimidade eleitoral. Assim, mesmo decisões que afetam o comércio internacional passam a ser moldadas por racionalidades eleitorais de curto prazo, e não por estratégias de Estado.


Crise de hegemonia e o papel do Congresso

O conflito entre o Senado e o trumpismo representa mais do que uma divergência legislativa — é um sinal de crise de hegemonia dentro da própria elite política norte-americana.
Enquanto parte do Congresso busca reafirmar a autoridade institucional e defender o livre comércio como base do liberalismo ocidental, outra parcela aposta na retórica de isolamento e autossuficiência nacional.

Essa disputa evidencia o que cientistas políticos chamam de erosão da governança democrática, um processo em que a polarização ideológica e o populismo reduzem a capacidade das instituições de produzir consensos duradouros.


O caso das tarifas sobre o Brasil se tornou um símbolo das tensões internas dos Estados Unidos, onde a disputa entre instituições e lideranças carismáticas redefine os rumos da política nacional e internacional.

A decisão do Senado representa uma tentativa de reconstruir a autoridade do Estado e reafirmar a primazia das instituições sobre o personalismo, num momento em que o sistema político americano enfrenta desafios de legitimidade, coesão e governabilidade.

Mais do que uma pauta econômica, trata-se de uma batalha por hegemonia política e pela restauração da racionalidade institucional — princípios centrais para qualquer democracia que aspire à estabilidade e à previsibilidade em suas relações com o mundo.

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